quinta-feira, 30 de maio de 2013

Splash Page: caça-níqueís X função narrativa

Em seu controverso estudo Superdeuses, Grant Morrison fala de uma peculiaridade do mercado norte-americano de quadrinhos dos anos 90:

Os artistas descobriram que podiam multiplicar por dez o quanto ganhavam por página ao vender as artes originais a colecionadores, e, quanto mais icônica a página, mais dinheiro rendia. Uma imagem de página inteira ou de página dupla do personagem ou equipe-título era o máximo. Uma imagem similar de um novo personagem ou nova equipe era quase tão boa – melhor ainda se a nova equipe ganhasse sua própria série. Logo a Image Comics começou a parecer um catálogo de pinups. Rob Liefeld, em particular, desenvolveu um estilo narrativo hipercinético em que uma nova superequipe era apresentada praticamente a cada página dupla.

Trata-se de uma situação extrema de criação ditada pelo mercado, popularizada pela Image Comics mas também de certo alcance em outras editoras da época. Não apenas as narrativas tinham que ser rápidas e pueris para alcançar retorno imediato nas vendas; também a própria forma se adaptava à vontade dos criadores de lucrar com o comércio das artes originais. Mesmo a mais tradicional DC Comics teve sua parcela de culpa, com publicações alinhadas a essa duvidosa tendência. Exemplo é a Mulher Maravilha dos pincéis do brasileiro Mike Deodato Jr. – desenhista que muito amadureceu desde então, cabe dizer.


Mulher Maravilha de Deodato

Muito tem se falado acerca da inaptidão de Rob Liefeld (um dos fundadores da Image Comics) no desenho de figuras humanas. De fato, ele não tem mínimas noções de anatomia, mas há um problema ainda maior em sua produção, relacionada à narrativa: seus quadrinhos parecem uma compilação de pinups e, assim, abolem o movimento próprio da nona arte. Esse problema é compartilhado por outros de seus sócios da época, em particular Todd Macfarlane – ótimo desenhista, mas péssimo narrador.

Double-Spread Page de Youngblood, de Rob Liefeld

Splash Page é um termo que, no jargão dos quadrinhos, designa uma página composta por um único painel (“painel” quer dizer um “quadrinho”, no caso), representando um personagem, um grupo deles ou uma ação de impacto. São comumente usadas nas páginas de abertura, mas também podem ser encontradas no interior quando assim a história exigir. Se ocupam duas páginas ao invés de uma, são chamadas de Double-Page Spread - estas são, portanto, splash pages anabolizadas.

Liefeld é o exemplo mais exagerado da tendência noventista de transformar quadrinhos em “catálogos de pinups” (tendência que ainda persiste aqui e ali). Banalizava sobremaneira o uso das splash pages em prol de uma efêmera contingência mercadológica, tanto que o recurso se via inutilizado.

Jack Kirby foi o primeiro a usar com insistência splash pages, num período em que o recurso não era comum. Sua produção, na Marvel, na DC e em diversas outras editoras há muito fechadas mostram diversas das funções que as splash pages podem assumir narrativamente: apresentar com impacto um novum surpreendente, representar uma ação violenta desmedida, catalizar o efeito catártico da compensação (ou seja, pôr em relevo o momento em que o protagonista finalmente consegue prevalecer às circunstâncias adversas ou ao vilão), entre outras. Para que tudo isso se dê plenamente, contudo, é necessário parcimônia: rechear uma história de splash pages dilui o efeito impactante que deveria acompanhá-las.

Double-Page Spread de Kirby, em Os Eternos

Publicado neste mês em um encadernado pela Panini, o Monstro do Pântano de Len Wein e Bernie Wrightson fornece um belo exemplo de uso eficiente do recurso. Cada história de vinte e três ou vinte e quatro páginas possui no máximo três splash pages: a página de abertura e uma ou duas no interior, reservadas ao clímax ou a uma importante revelação (como os detalhes do rosto do protagonista, em Swamp Thing #1). O impacto se mantém, a narrativa se beneficia do recurso ao invés de sucumbir a ele.

Nas bancas


Impossível falar no assunto sem lembrar de A Morte do Superman, de Dan Jurgens, cuja edição derradeira é integralmente composta por splash pages. Embora a história possa ser criticada por diversas motivos (e o foi), no uso do recurso não há problema. Toda a grandiloquência acaba por se mostrar desculpável e até mesmo necessária para narrar o fim (previsivelmente temporário, é verdade) do primeiro super-herói, aquele responsável por criar todo um gênero. Não sendo o caso, seria um excesso. O mesmo, é claro, não se pode dizer das splash pages de Liefeld, forradas de personagens destinados a serem esquecidos até o mês seguinte.

Double-Page Spread que encerra A Morte do Superman

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