Em seu controverso estudo Superdeuses, Grant Morrison fala de uma
peculiaridade do mercado norte-americano de quadrinhos dos anos 90:
Os artistas descobriram que podiam
multiplicar por dez o quanto ganhavam por página ao vender as artes originais a
colecionadores, e, quanto mais icônica a página, mais dinheiro rendia. Uma
imagem de página inteira ou de página dupla do personagem ou equipe-título era
o máximo. Uma imagem similar de um novo personagem ou nova equipe era quase tão
boa – melhor ainda se a nova equipe ganhasse sua própria série. Logo a Image
Comics começou a parecer um catálogo de pinups. Rob Liefeld, em particular,
desenvolveu um estilo narrativo hipercinético em que uma nova superequipe era
apresentada praticamente a cada página dupla.
Trata-se de uma situação extrema
de criação ditada pelo mercado, popularizada pela Image Comics mas também de
certo alcance em outras editoras da época. Não apenas as narrativas tinham que
ser rápidas e pueris para alcançar retorno imediato nas vendas; também a
própria forma se adaptava à vontade dos criadores de lucrar com o comércio das
artes originais. Mesmo a mais tradicional DC Comics teve sua parcela de culpa,
com publicações alinhadas a essa duvidosa tendência. Exemplo é a Mulher Maravilha dos pincéis do
brasileiro Mike Deodato Jr. – desenhista que muito amadureceu desde então, cabe
dizer.
Mulher Maravilha de Deodato
Muito tem se falado acerca da
inaptidão de Rob Liefeld (um dos fundadores da Image Comics) no desenho de
figuras humanas. De fato, ele não tem mínimas noções de anatomia, mas há um
problema ainda maior em sua produção, relacionada à narrativa: seus quadrinhos
parecem uma compilação de pinups e, assim, abolem o movimento próprio da nona
arte. Esse problema é compartilhado por outros de seus sócios da época, em
particular Todd Macfarlane – ótimo desenhista, mas péssimo narrador.
Double-Spread Page de Youngblood, de Rob Liefeld
Splash Page é um termo que, no jargão dos quadrinhos, designa uma
página composta por um único painel (“painel” quer dizer um “quadrinho”, no
caso), representando um personagem, um grupo deles ou uma ação de impacto. São
comumente usadas nas páginas de abertura, mas também podem ser encontradas no
interior quando assim a história exigir. Se ocupam duas páginas ao invés de
uma, são chamadas de Double-Page Spread - estas são, portanto, splash pages anabolizadas.
Liefeld é o exemplo mais
exagerado da tendência noventista de transformar quadrinhos em “catálogos de
pinups” (tendência que ainda persiste aqui e ali). Banalizava sobremaneira o
uso das splash pages em prol de uma
efêmera contingência mercadológica, tanto que o recurso se via inutilizado.
Jack Kirby foi o primeiro a usar
com insistência splash pages, num
período em que o recurso não era comum. Sua produção, na Marvel, na DC e em diversas outras editoras há muito fechadas mostram diversas das funções que as splash
pages podem assumir narrativamente: apresentar com impacto um novum surpreendente, representar uma
ação violenta desmedida, catalizar o efeito catártico da compensação (ou seja,
pôr em relevo o momento em que o protagonista finalmente consegue prevalecer às
circunstâncias adversas ou ao vilão), entre outras. Para que tudo isso se dê plenamente,
contudo, é necessário parcimônia: rechear uma história de splash pages dilui o efeito impactante que deveria acompanhá-las.
Double-Page Spread de Kirby, em Os Eternos
Publicado neste mês em um
encadernado pela Panini, o Monstro do
Pântano de Len Wein e Bernie Wrightson fornece um belo exemplo de uso
eficiente do recurso. Cada história de vinte e três ou vinte e quatro páginas
possui no máximo três splash pages: a
página de abertura e uma ou duas no interior, reservadas ao clímax ou a uma
importante revelação (como os detalhes do rosto do protagonista, em Swamp Thing #1). O impacto se mantém, a
narrativa se beneficia do recurso ao invés de sucumbir a ele.
Nas bancas
Impossível falar no assunto sem
lembrar de A Morte do Superman, de
Dan Jurgens, cuja edição derradeira é integralmente composta por splash pages. Embora a história possa
ser criticada por diversas motivos (e o foi), no uso do recurso não há problema.
Toda a grandiloquência acaba por se mostrar desculpável e até mesmo necessária
para narrar o fim (previsivelmente temporário, é verdade) do primeiro
super-herói, aquele responsável por criar todo um gênero. Não sendo o caso,
seria um excesso. O mesmo, é claro, não se pode dizer das splash pages de Liefeld, forradas de personagens destinados a serem
esquecidos até o mês seguinte.
Double-Page Spread que encerra A Morte do Superman
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